quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Videologias

“Na sociedade do espetáculo que, como o leitor já percebeu, é a própria sociedade de consumo, o mecanismo que garante ao sujeito a visibilidade necessária para que ele exista socialmente (no campo do Outro) já não é o da identificação (com o líder). Na horizontalidade da circulação das imagens/mercadorias, o mecanismo das identificações é substituído pela tentativa de produção de identidades. Já não é mais com a imagem do Outro que o sujeito tenta se identificar, mas com uma espécie de imagem de si mesmo apresentada pela televisão como uma imagem corporal. Se a publicidade, a telenovela, o jornalismo/espetáculo e o cinema de massas dirigem-se permanentemente a um sujeito que deve ser ‘todo mundo’ e não é particularmente ninguém; se a imagem capaz de convocar a multidão de homens genéricos é a imagem mais abrangente, e portanto mais vazia possível; se o gozo dessa imagem vazia é elevado à condição de experiência subjetiva (e de experiência estética) para os sujeitos da sociedade do espetáculo; e, finalmente, a eficácia dessa experiência depende do apagamento de todas as outras dimensões da vida que não caibam no puro tempo presente do acontecimento como aparecimento; então só a imagem do corpo próprio – tornado o mais parecido possível com um corpo Outro, sem história, sem sofrimento e sem falhas – pode servir de suporte para a construção de uma ilusão de identidade para os sujeitos da sociedade do espetáculo. Observem que eu escrevi: uma ilusão de identidade. A identidade do sujeito com a imagem suposta no olhar do Outro – ou seja, a realização do Eu Ideal – é impossível. Assim como o apagamento absoluto das diferenças: quando o sujeito supõe dominar a imagem que o Outro espera dele, ele o supõe desde o seu fantasma – e, neste ponto, não pode escapar da singularidade” (p.158-159). Por isso que a visibilidade, na sociedade do espetáculo, “depende exclusivamente da aparição da imagem corporal no campo do Outro, imaginariamente representado pela televisão (...) O espetáculo demanda o que o sujeito deveria ser para participar dele; ele fornece uma imagem que se transforma em ideal, para os sujeitos. Mas este ideal-imagem, onipresente no império do espetáculo – onde o sol nunca se põe... -, não tem autoria aparente. É pura presentificação” (p.159).

*KEHL, Maria Rita. Visibilidade e espetáculo. In: BUCCI, Eugênio; KEHL, Maria Rita. Videologias. São Paulo: Boitempo, 2004 (Estado de sítio).

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