quarta-feira, 30 de março de 2011

Daddy's little girls




(Fotos enviadas por Márcia Ilha Marques)

Queres comer meu coração, Hamlet?

Frankenstein-zíper


"- Solte-me - gritou ele. - Monstro! Bicho feio! Você quer me comer e me matar. Você é um bicho. Solte-me ou chamarei meu pai. (...) Monstro horroroso! Largue-me. Meu pai é import... ele é o senhor Frankenstein... e há de castigá-lo." (SHELLEY, Mary. Frankenstein. Porto Alegre: L&PM, 1997, p. 165).


domingo, 27 de março de 2011

"As relações entre o corpo e o ambiente se dão por processos co-evolutivos que produzem uma rede de pré-disposições perceptuais, motoras, de aprendizado e emocionais. Embora corpo e ambiente estejam envolvidos em fluxos permanentes de informação, há uma taxa de preservacão que garante a unidade e a sobrevivência dos organismos e de cada ser vivo em meio à transformação constante que caracteriza os sistemas vivos. Mas o que importa ressaltar é a implicação do corpo no ambiente, que cancela a possibilidade de entendimento do mundo como um objeto aguardando um observador. Capturadas pelo nosso processo perceptivo, que as reconstrói com as perdas habituais a qualquer processo de transmissão, tais informações passam a fazer parte do corpo de uma maneira bastante singular: são transformadas em corpo. Algumas informações do mundo são selecionadas para se organizar na forma de corpo – processo sempre condicionado pelo entendimento de que o corpo não é um recipiente, mas sim aquilo que se apronta nesse processo co-evolutivo de trocas com o ambiente. E como o fluxo não estanca, o corpo vive no estado do sempre-presente, o que impede a noção do corpo recipiente. O corpo não é um lugar onde as informações que vêm do mundo são processadas para serem depois devolvidas ao mundo.
O corpo não é um meio por onde a informação simplesmente passa, pois toda informação que chega entra em negociação com as que já estão. O corpo é o resultado desses cruzamentos, e não um lugar onde as informações são apenas abrigadas. É com esta noção de mídia de si mesmo que o corpomídia lida, e não com a idéia de mídia pensada como veículo de transmissão. A mídia à qual o corpomídia se refere diz respeito ao processo evolutivo de selecionar informações que vão constituindo o corpo. A informação se transmite em processo de contaminação." ("Por uma teoria do corpomídia ou a questão epistemológica do corpo", de Helena Katz e Christine Greiner)


Artigo completo aqui.
Site da Helena Katz aqui.

Fazer-Dizer Performativo em Dança: corpo; cidade; performatividade

Por Jussara Setenta(1)


De partida o título desse artigo pode provocar perguntas do tipo: de que se trata um fazer que é dizer e, ainda performativo? O que isso tem a ver com cidade? Que é performatividade? Como pode estar próximo do corpo? O que isso tem a ver com dança? Será que performatividade é a mistura de performance com cidade? Mas e a dança onde está?.

No espaço do corpo, da dança e da cidade ocorrem negociações, traduzidas na articulação de diferentes informações que possibilitam o deslocamento de idéias e pensamentos que produzem re-inscrições e re-configurações nas maneiras de organizar e enunciar falas. Falas no corpo, do corpo. Falas de dança.Sendo a dança um fazer-dizer, seu processo de criação se dá através de mediações que acionam encadeamentos corpo–ambiente. Constrói modos de subjetivação da cidade na observação e discussão no corpo. No fazer-dizer de corpos urbanos.

As fronteiras (dentro/fora) apresentam-se transponíveis, permeáveis e disponíveis para trocas entre sujeitos que se aproveitam desse movimento para constituírem-se enquanto sujeitos, para implementarem o processo de subjetivação – termo trazido de Foucault (1979), que considera que esse processo ocorre primordialmente no corpo; na formulação de corpos sujeitados a um tipo de poder que age e ativa a produção do sujeito.

O processo de construção artística em dança também pode ser tratado como algo que colabora para a construção do sujeito, pois é o que aciona a produção de subjetividade num trânsito de informações que torna visível o que se encontra invisível no início do processo. Assim, é possível falar de sujeito num processo de criação em dança, desde que se tenha em vista um processo de subjetivação - o da produção de subjetividade num fluxo de troca entre o sujeito e o mundo, numa relação que se estabelece na formação dos campos de fala que vão produzir falas de dança.

O exercício de tentar aproximar corpo, cidade e performatividade parece se constituir enquanto uma empreitada performativa.

O termo performativo provém da Teoria dos Atos de Fala trabalhada pelo filósofo inglês John Langshaw Austin. Ele parte da premissa de que falar é uma forma de ação. Sua teoria vai considerar linguagem como ação levando-se em conta convenções, contextos, finalidades e condições. Na teoria dos atos de fala existe o entendimento de significação como ação de linguagem. Quando falamos, significamos mais do que o significado referencial daquilo que proferimos: realizamos uma ação. A linguagem é, então, o instrumento da realização de tais ações que não ocorrem fora da linguagem, uma vez que é ela mesma que as constitui.

Ação... linguagem... Dança...parece que algo começa a fazer sentido, mas e a tal da performatividade?

A partir da teoria de Austin, Judith Butler, filósofa americana expande o conceito de performativo para o conceito de performatividade. De maneira mais ampliada, vai compreender os atos de fala como atos corpóreos. Seu interesse está nos atos de fala como organizações no corpo, a partir de um entendimento lingüístico de que a fala não está só no verbo, mas também no corpo.

Visto dessa maneira, o corpo, enquanto organização corporal em ação reúne e troca informações produzindo atos que ampliam o discurso oral e onde é possível perceber formas de poder, de censura, e de exclusão. A fala é construída no corpo e pelo corpo que assume a responsabilidade pelas citações e convenções de linguagem presentes nesse ato. O ato de fala numa relação corpórea comunica-se através do fazer.

Fala construída no corpo, pelo corpo... dança se processa no corpo.... então, a dança produz atos de fala?

Alguns princípios da Teoria dos Atos de Fala e o conceito de performatividade instigaram questões e detonaram concepções que promoveram a construção da hipótese que desmonta a idéia da dança como indizível. Passo então a considerar que a dança se diz em seu fazer. É, portanto, um fazer-dizer. Aquele que não “comunica” apenas uma idéia, mas “realiza” a própria idéia que comunica.

Sob essa perspectiva o corpo que dança vai lidar com o processo de construção artística em dança, entendendo-o como algo que colabora para a constituição do sujeito, pois é o que aciona a produção de subjetividade num trânsito de informações onde as percepções e a produção de acões-movimentos do/no corpo que dança não prescindem das informações que estão no mundo e, num compromisso crítico-reflexivo, aproximam a dança daquilo que ela enuncia.Vai organizar sua fala em ações corporais que se processam no fazer e, as falas construídas no corpo e pelo corpo vão buscar investir em questionamentos em vez de buscar respostas definitivas. Os processos de investigação corporal das falas de dança passam a exercitar modos diferenciados de formular suas falas.

Entretanto, percebe-se que nem sempre é assim que se trabalha o corpo em processos artísticos em dança. Nem sempre os inventores de dança expõem o corpo como um apresentador de indagações e soluções provisórias. Através da observação do modo como esse falar se produz surge a percepção de que existe, dentre os distintos tipos de fala, um que inventa o modo de dizer-se. Ele se distingue exatamente por não ser uma fala sobre algo fora da fala, mas por inventar o modo de dizer, ou seja, inventar a própria fala de acordo com aquilo que está sendo falado.

E são tantos os diferentes dizeres... e são tão diferentes os fazeres ditos... que esses necessitam ser observados com mais atenção. Ao lidar de maneiras distintas com a dança o corpo está todo o tempo processando informações e, nesse constante movimento, vai se constituindo como corpo. Pode privilegiar o exercício descritivo de referências, pode preferir a narrativa em seqüência linear, pode priorizar o processo e não a obediência a um produto; pode optar por várias outras escolhas.

A legitimação da relação sujeito e mundo vem tornar públicas questões e dúvidas criadas ou provocadas a partir desse relacionamento, e que inviabilizam o reconhecimento da identidade, da característica única. O processo de criação é intersubjetivo, e nele ocorrem processos de apropriação e transformação, então, não podemos pensar que esse processo seja produzido por um sujeito exclusivo; e, sim, por um sujeito atravessado, contaminado e modificado pelo próprio processo de exposição e diálogo. Um sujeito como agente do fazer. Um sujeito que está no mundo e não se fecha no seu mundo interno. Assim agindo, o sujeito-agente atua performativamente num processo de criação onde são organizados os campos de fala.

A importância de se falar/trabalhar/tratar da performatividade na contemporaneidade está em provocar, perturbar, e instigar a continuidade de deslocamentos e descentramentos e tentar subverter procedimentos que fixem, e rotulem idéias, pensamentos, produções e outros. São fazeres que levam a dizeres específicos, fazeres que são considerados enquanto atitudes que podem ser encaradas como condutas políticas. A performatividade conecta o poder fazer aos poderes instituídos – social, histórico, econômico e político. Promove a co-relação indissociável entre o que se faz e o que se diz – dizer o que faz, fazendo o que diz.

A compreensão da performatividade nos leva a identificar propostas que indicam diferentes modos de pensar como se faz dança e, também, pensar as implicações políticas e estéticas desse fazer. Faz pensar para repensar essas instâncias - política e estética - no próprio fazer, no presente do fazer. Pensar performativamente cria uma tensão nos modos como o corpo se move em sua própria dança. O corpo é o seu assunto, daí a necessidade dele produzir os movimentos que sejam capazes de reconfigurar os limites e as potencialidades do seu dizer – daí, também, a necessidade de inventar o modo desse dizer ser feito. O corpo é o foco primordial e indispensável para se pensar/estar o/no mundo. E quando se trata do corpo que dança, sucede o mesmo.

Pensar o corpo que dança na performatividade é desconectar-se da idéia de corpo com formas definidas por molduras pré-esquematizadas, que vai dançar organizando criativamente os materiais que já conhece. O corpo performativo é um corpo em estado de “definição” contínua – vai realizar definições provisórias e problematizadas em espaços de distúrbio. No trabalho com a performatividade, a dança contemporânea vai se manter em um processo contínuo de reconfigurar-se. Troca-se a ação de perpetuar pela ação de transformar.

Quando a dança passa a fazer certas perguntas ainda não feitas, passa a precisar exercitar um outro fazer-dizer, que seja capaz de dar conta daquilo a que se está propondo.

Lidar com a performatividade na dança incita o processo de inventar danças. Mas não se trata de inventar novos modos de organizar materiais já criados. Para quem está habituado a ver ou fazer uma dança onde a questão se concentra, no modo como os passos e as frases se ligam, há uma mudança grande desafiando esse olhar e esse fazer.

A proposta de perceber dança como um fazer-dizer carrega, ainda, outra necessidade, que é a de ser observada e tratada a partir destas peculiaridades, que envolvem mudanças no jeito de observar, no espaço de feitura, no espaço de exposição. Trata-se de subverter os modos habituais de observar dança, seja por parte daqueles que se relacionam diretamente com o seu fazer, seja por parte daqueles que recepcionam esse mesmo fazer. Para tanto, será necessário desvestir-se de modelos-maneiras já instituídos e convencionalizados nas práticas desse fazer e desse apreciar. Há que se observar a dança que se apresenta e perceber nela, e a partir dela, o modo como está se apresentando, as conexões que fez para chegar ao “resultado”.

Tentar perceber, em vez de buscar uma legenda explicativa; buscar descobrir como as idéias-questões-discussões estão formuladas; não tentar uma relação imediata entre as ações movimentos que estão sendo mostradas e as prováveis intenções que lhes deram origem – esses são bons lembretes para quem deseja se aventurar na performatividade. Acionar a percepção em vez da busca por explicação no trato com o fazer-dizer inverte o jeito habitual/convencionalizado de fazer-apreciar dança. Propõe outras maneiras e atitudes. Assim, é imprescindível modificar as atuações de fazedores e apreciadores, e tentar se aproximar, tentar cruzar a ponte, não apenas ficar num dos lados da margem “especulando” o que está acontecendo do outro lado.

Precisamos observar na dança as idéias na forma de movimentos em vez de buscar reconhecer os passos que já conhecemos. Estar em ação migratória. Deslocar ângulos de visão. Desvincular-se de portos seguros de argumentação, de valores de referência – aqueles quase sempre binários e em oposição. Modificar os padrões de comportamento ao observar e enunciar falas de dança. Falas que são/estão no corpo. Que dialogam , com a cidade, com outros tantos corpos que organizam distintas falas. Parece ser desse modo que o conceito de performatividade aproxima-se dos corpocidades expostos e dispostos na urbanidade de propostas artísticas em dança.

(1) Jussara Sobreira Setenta é professora adjunto da Escola de Dança da UFBA e atua na Pós-Graduação e Graduação em Dança na mesma instituição. Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP é autora do livro O Fazer-Dizer do Corpo: dança e performatividade e coordenadora do grupo de estudos em Dança e política.

link oficial:

link para a tese de doutorado de Jussara Setenta,
"Comunicação Performativa do Corpo: o fazer-dizer da contemporaneidade":

sábado, 26 de março de 2011

terça-feira, 8 de março de 2011

Frankenstein-me!


"Foi numa sombria noite de novembro que eu contemplei a realização de minha obra. Com uma ansiedade que quase tocava as raias da agonia, tomei dos instrumentos que estavam à minha volta, a fim de que eu pudesse infundir uma centelha de vida na coisa inerte que jazia aos meus pés. Era já quase uma hora da madrugada; a chuva batia tristemente nas janelas, e minha vela estava quase consumida quando, ao lusco-fusco da luz bruxuleante prestes a extinguir-se, vi abrir-se o baço olho amarelo da criatura. Ela respirava com dificuldade, e um movimento convulsivo agitava seus membros." (SHELLEY, Mary. Frankenstein. Porto Alegre: L&PM, 1997, p. 65).